terça-feira, setembro 23, 2008

Bem vinda Primavera

Um texto da Cecília Meireles para saudar a Primavera, a mais bela estação do ano e a minha preferida. :)

Primavera


Cecília Meireles

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
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Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

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Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

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Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

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Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

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Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim.

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Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

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Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

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Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.


Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1",

Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.

segunda-feira, setembro 15, 2008

Solidariedade

TEMA: Solidariedade


"A solidariedade é o sentimento que melhor
expressa o respeito pela dignidade humana."

(Franz Kafka)

sábado, setembro 06, 2008

Sobre a morte e o morrer


O que é vida?
Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano?
O que e quem a define?

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Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...

Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.

Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”
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Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir.

Rubem Alves

Fragmentos de texto publicado no jornal “Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do dia 12-10-03. fls 3.

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Hoje uma amiga perdeu um ente querido (o pai) e este triste acontecimento me inspirou a escrever sobre a morte. Muitos têm medo da morte. Confesso que não tenho e não sei explicar o porquê. Mas não ter medo da morte não significa que não sofra com o passamento das pessoas, principalmente quando se trata de pessoas queridas. Já sofri muito com a perda de pessoas que me eram muito caras. A primeira delas, a primeira que me abalou mais profundamente, foi quando partiu uma prima que tinha apenas 3 aninhos. Eu era uma pré-adolescente na época e não conseguia entender direito porque Deus a tinha levado. Fiquei tão sentida que não conseguia dormir direito e muito menos sozinha. A segunda morte mais sentida foi quando partiu um amor, o meu primeiro amor. O homem que acreditei ser o amor da minha vida. E que às vezes me pego pensando se ainda não é. Não se explica, só se sente.

A partir de um tempo eu comecei a ver a morte com outros olhos. Foi quando tive contato com a doutrina espírita. Desde então a morte para mim não é nada mais do que uma passagem. Uma passagem para uma outra vida. Uma passagem dolorosa, é verdade, porque partimos ou partem sozinhos.Não podemos partir juntos e é isso que nos faz sofrer.

Por isso digo a minha amiga que “Aqueles que amamos nunca morrem,apenas partem antes de nós.” E eu sei que ela entende isso. Só que nesta hora a dor da perda nos consome. Muita força, amiga!